Hipocalcemia: cirurgia de tireoide pode afetar cálcio

Você quer entender melhor como a cirurgia de tireoide pode causar Hipocalcemia? Dr. Eduardo Henrique é Endocrinologista em São Paulo e fala sobre o tema!

Mais sobre a Hipocalcemia


A queda dos níveis de cálcio (hipocalcemia) no pós-operatório de cirurgias da tireoide, também conhecida como hipoparatireoidismo primário, é uma das complicações mais comuns da tireoidectomia total (retirada completa da tireoide).


O controle dos níveis de cálcio no nosso sangue é realizado por um hormônio chamado paratormônio (PTH).


A produção desse hormônio ocorre pelas paratireoides, quatro pequenas glândulas, do tamanho de uma ervilha, localizadas no nosso pescoço, atrás da glândula tireoide.


As paratireoides estão em contato íntimo com a glândula tireoide e, devido ao seu pequeno tamanho, podem ter sua vascularização comprometida, serem traumatizadas ou ressecadas de forma inadvertida durante as cirurgias da tireoide.


Assim, a diminuição dos níveis de cálcio é secundária à produção insuficiente de PTH pelas paratireoides e pode normalizar após meses da cirurgia ou se manter baixo de forma permanente.


Consideramos a hipocalcemia permanente quando ela persiste após 12 meses da cirurgia.


No geral, o quadro transitório de hipocalcemia ocorre em até 20% das cirurgias de tireoidectomia total e quadros definitivos entre 0,8 a 3%.

Quais são os principais fatores de risco para o desenvolvimento de hipocalcemia após a tireoidectomia total?



Podemos citar como principais fatores de risco para esta condição:

  • Níveis baixos de cálcio e vitamina D no pré-operatório;
  • Autotransplante da paratireoide (ressecção da glândula paratireoide com reimplante no pescoço ou em outro sítio);
  • Cirurgia de longa duração;
  • Esvaziamento cervical associado à tireoidectomia (retirada de linfonodos da região do pescoço);
  • Antecedente de cirurgia da tireoide ou paratireoide;
  • Sangramento no pós operatório com necessidade de reabordagem cirúrgica;
  • Diagnóstico pré-operatório de Doença de Graves ou câncer de tireoide;
  • Dificuldade da identificação das glândulas paratireoides durante a cirurgia;
  • Baixa experiência do cirurgião em cirurgias da tireoide e paratireoide.


Quais são os sintomas de hipocalcemia no pós operatório da tireoide?

Os sintomas da hipocalcemia no pós-cirúrgico vão desde sinais leves, como formigamentos na região perioral, mãos e pés e cãibras musculares, até sintomas graves, por exemplo:


  • Convulsões;
  • Espasmos na laringe;
  • Insuficiência cardíaca ou arritmias;
  • Crise de tetania;
  • Coma, com risco de morte.


Ademais, os sintomas crônicos da hipocalcemia podem se manifestar com calcificações cerebrais na região dos núcleos da base (pode causar distúrbios do movimento com o parkinsonismo, distonia e demências), nefrolitíase (cálculos renais) e nefrocalcinose (calcificação dos rins).


Além disso, o paciente pode apresentar também:

  • Catarata;
  • Alterações da pele (pele seca, queda de cabelo, unhas fracas com sulcos transversais);
  • Aumento do risco para infecções (trato urinário e respiratório);
  • Insuficiência renal;
  • Doença cardíaca isquêmica;
  • Maior risco para ansiedade, depressão e transtorno afetivo bipolar.



Estes sintomas são mais frequentes em pacientes com hipocalcemia de longa data e com mal controle.


Quais são os achados laboratoriais do hipoparatireoidismo pós-cirúrgico? 

O principal achado laboratorial é a hipocalcemia (níveis baixos de cálcio no sangue) com níveis séricos de paratormônio (PTH) baixos ou inapropriadamente normal para o grau de hipocalcemia.


Além disso, a maioria dos pacientes com hipoparatireoidismo apresentam níveis séricos elevados de fósforo e também podem apresentar aumento da excreção de cálcio na urina e níveis baixos de 1,25-di-hidroxivitamina D.


Em contrapartida, os níveis de 25-hidroxivitamina D, magnésio e creatinina geralmente são normais.


Qual a principal preditor de normalização dos níveis de cálcio no pós-cirúrgico? 


O encontro de níveis de PTH > 10 pg/mL dentro das 12 a 24h após a tireoidectomia total é um indício fortemente sugestivo de que os níveis de cálcio irão se normalizar com o passar dos dias.



Como é o tratamento da hipocalcemia no pós-cirúrgico?


O principal objetivo do tratamento do hipoparatireoidismo é manter a concentração sérica de cálcio dentro da faixa inferior da normalidade, mantendo os níveis séricos de cálcio total entre 8,0 a 8,5 mg/dL e os níveis de cálcio na urina de 24h < 250mg/24h para mulheres e 300 mg/24h para homens.


Dessa forma, tratamos de prevenir o desenvolvimento de cálculos renais, o que pode ocorrer em caso de suplementação excessiva de cálcio e/ou calcitriol.


Assim, todo paciente submetido à tireoidectomia total deve ter seus níveis de cálcio avaliados no pós operatório.


Nesse sentido, prescrevemos a suplementação oral e intravenosa de cálcio e calcitriol, conforme os resultados dos níveis de cálcio.


Pacientes com sintomas graves de hipocalcemia (crise de câimbras, convulsões ou alterações no eletrocardiograma) ou com níveis de cálcio ≤ 7,0 mg/dL necessitam restabelecer os níveis de cálcio de forma rápida. Nesta situação, indicamos o cálcio endovenoso e receitamos cálcio e calcitriol oral.


Indivíduos com sintomas leves de hipocalcemia ou assintomáticos com cálcio > 7,0 mg/dL são tratados com cálcio oral e calcitriol.

Reposição de cálcio

O uso de cálcio oral e calcitriol (uma forma ativa da vitamina D) é o tratamento de primeira linha para os pacientes que permanecem com a necessidade de medicação para controle dos níveis de cálcio.


Ademais, para reposição do cálcio, as duas formas de sais mais comuns são:

  • Carbonato de cálcio (presente na maioria dos comprimidos de cálcio disponíveis da farmácia, com valor mais acessível, entretanto,  com absorção dependente do pH gástrico);
  • Citrato de cálcio (apresenta melhor absorção intestinal, com taxas mais baixas de constipação intestinal e intolerância gástrica, porém com valor mais elevado e os comprimidos costumam possuir doses inferiores de cálcio).



Pacientes com excreção aumentada de cálcio, mesmo após ajuste da dose do cálcio oral e calcitriol, podem se beneficiar da adição de um diurético tiazídico (Ex: Hidroclorotiazida ou clortalidona) para reduzir os níveis de cálcio na urina.


Além disso, indivíduos com hipoparatireoidismo não controlado com o uso de cálcio e calcitriol são candidatos ao uso de PTH recombinante (NATPARA®), único aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration) para tratamento do hipoparatireoidismo nos Estados Unidos, (não disponível no Brasil).


Entretanto, o laboratório Takeda emitiu uma nota em outubro de 2022 informando que a NATPARA® terá sua fabricação descontinuada até 2024 devido à dificuldade técnica no processo de fabricação da medicação.


Nesse caso, outras opções de PTH recombinante estão em pesquisa para o tratamento do hipoparatireoidismo e, provavelmente, nos próximos anos serão aprovadas para uso.

Como é o acompanhamento dos pacientes com hipoparatireoidismo pós-cirúrgico?


Até alcançarmos a concentração de cálcio sérico ideal, precisamos monitorar os níveis de cálcio sérico e fósforo sérico em intervalos curtos (no máximo semanalmente).


Assim sendo, após a estabilização dos níveis de cálcio, o monitoramento dos níveis séricos de cálcio, creatinina, ureia, 25-hidroxivitamina D e cálcio na urina de 24h, a cada 6 meses, é suficiente.


Quais são os riscos do tratamento do hipoparatireoidismo?


Os principais efeitos colaterais da reposição de cálcio e vitamina D em pacientes com hipoparatireoidismo são a hipercalcemia (elevação dos níveis de cálcio no sangue) e hipercalciúria (elevação dos níveis de cálcio na urina).


Nesse sentido, caso esse quadro se mantenha de forma crônica, pode causar nefrolitíase (cálculos renais), nefrocalcinose (calcificação dos rins) e insuficiência renal.


Portanto, caso você tenha alteração nos níveis de cálcio no sangue, é muito importante procurar um endocrinologista experiente no tratamento de distúrbios da paratireoide para avaliar o melhor tratamento!